sexta-feira, 29 de julho de 2011

Leitura Inicial


"Minha Mãe e o Computador" =Crônica do Cotidiano na Terceira Idade=


Fernando Brandi
Publicado no Recanto das Letras em 19/06/2008
Código do texto: T1042039


  Minha mãe tem um computador caprichado. Bom de memória, bom de agadê, bom de acessórios tais como webcam, caixas de som, gravador, grava e lê cedê e devedê, etc. Em resumo: um daqueles pecês que a gente olha e pensa: “um dia eu chego lá”. O que ela não tem é prática e paciência para aprender. Maior sarro...
- Filho, tem uma letra que cismou de entrar aqui e não quer sair de jeito nenhum...
- Mãe, aperte o delete.
- Onde está essa porcaria do delete? Antes ele ficava aqui...
- Continua no mesmo lugar, mãe. Tecla não muda de endereço.
- Aqui não era o enter?
- Não, mãe. O enter é essa tecla maior, grandona, perto da delete, que é a pequena.
- Esse computador é uma...
- Não é não, mãe. Você é que ainda é inexperiente, mas um dia aprende. Basta ter calma.
- Também tenho cada porcaria de professor...
- Empatamos, mãe. Eu tenho uma porcaria de aluna que ainda ofende quem ensina...Vai escrevendo aí que depois eu faço o envio do e-mail.
- Isso é coisa que eu sei fazer.
- Tá bom. Então envie sozinha.
- Filho, venha cá...Eu ia mandar o e-mail e de repente sumiu tudo.
- O que é que você fez depois de escrever?
- Nada.
- Nada o que, mãe... O computador não faz nada quando a gente não faz nada.
- Eu só coloquei aquela flechinha aqui e apertei.
- Então não é nada. Você enviou o e-mail, mãe. E depois voltou pra caixa de mensagens.
- Mas eu ainda não tinha acabado de dizer o que eu queria...
- Então porque clicou no enviar?
- Eu só queria mudar de linha.
- Então era só apertar no enter, mãe.
- Essa praga desse enter tem que entrar a toda hora?
- Não. É só quando o dedo da gente bate nele. Se não bater ele fica quietinho. Aliás, o computador todo é assim: só se mexe se a gente mexer nele.
  Alguns minutos de silêncio.
- Filho, venha cá um minuto. Olha só: as letras cismaram de ficar em tamanho grande e eu queria pequenas e grandes.
- Você apertou a capslock, mãe. Olha as duas luzinhas acesas.
- E o que é que essa capslock faz?
- Maiúsculas e minúsculas, mãe.
- E precisa chamar capslock? Não podia ter um nome mais simples?
- Pode. Basta você mudar o nome dela por sua conta.
- É mesmo?
- É, mãe. Você pode escrever Maria, por exemplo, em uma etiquetinha, e colar em cima dela. Quando eu disser “aperte a Maria”, você aperta e as letras ficam maiúsculas ou minúsculas.
- Não tire sarro da minha cara, filho.
- Tô falando sério, mãe. Você não gosta de capslock, o computador é seu, você põe o nome que quiser na tecla. Eu, por exemplo, chamo a tecla “turbo” de merda. Não serve pra nada, a não ser pra eu esbarrar o dedo nela quando estou com pressa.
- Pronto. Acabei o e-mail para o André. Envie pra mim, filho.
- Eu não. Você disse que sabe enviar e-mail.
- Saber eu sei, mas estou com preguiça. Manda logo esse e-mail que o André está na França.
- E o que tem isso, mãe?
- Sei lá quanto tempo leva pra chegar lá...
  Minha velhinha é um sarro, mas essa crônica eu não lerei pra ela como faço sempre que publico alguma coisa. É capaz de ficar brava. Ainda mais chamando de “velhinha” a ela que só tem oit...ôpa, é segredo...

Fonte: Retirado do site: http://recantodasletras.uol.com.br/cronicas/1042039. Acesso em 14 fev. 2011.

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